domingo, 24 de janeiro de 2010

O laço de Girândola

Girândola, terra bendita onde os meninos se tornam homens, com o suor da luta infinita criada por um lugar resguardado pela serra, onde os animais vivem em paz. As matas quase que falam nos segredos que guardam, amores criados e mantidos sobre a brisa que movimenta as suas folhas. Alberga uma casa espirituosa onde os crentes fazem promessas, olhando seguramente e infinitivamente para o além. Chaparros e pinheiros confunde-se com as silvas e o tojo, terras abatidas pela exploração, onde hoje já nada se planta nem se colhe. Gaspar, sexagenário filho do fazendeiro da serra, as suas mãos estão enrugadas pela árdua batalha que travou desde menino no campo , hoje dedica-se somente a contemplar a modernidade e a contar passagens da vida. Um metro e sessenta e nada, curvado para a frente, sacode o colete de riscas cinzentas e pretas, assente na camisa com o colarinho gasto pela barba, com os olhos amendoados no rosto escuro, ajeita o chapéu de uma forma elegante, para que o cabelo castanho se mantenha no lugar. A sua amada, Graciete, costureira de profissão, senhora disputada pela burguesia na confecção dos mais belos vestidos, onde o tempo não pesou, rosto liso e claro, com os olhos desenhados com um coque de cabelo, feito com muito cuidado. Vivem numa casa muito singela, onde a paz reina por hábito, na rua dos antigos artesões. Fachada alentejana com duas janelas, onde as rendas sobressaem nos vidros lisos pelo tempo. Desta juntura nasceram três rebentos, Carlos, rapaz que toda a vida estudou fora, o seu ar de lunático, completa-se com o ar de intelectual, forçado pelo par de óculos que mantém preso ao pescoço com uma guita trabalhada por ele próprio, o trague é sempre o mesmo, calça cinzenta de cintura subida, presas com uns suspensórios coloridos por cima da camisa verde escura, que no colarinho ostenta em laço amarelo com bolas pretas, formou-se com distinção em História da literatura, conhecedor das histórias mais mirabolantes, onde o tempo o fez um sonhador. Percorreu mundo em busca de algo que nunca encontrou, regressou como partiu, sem nada. Faz hoje o que mais gosta, conta histórias da vida, de taberna em taberna, sempre acompanhado do caderno de capa preta e da caneta que já não se vê a marca, onde aponta as suas ideias e pensamentos momentâneos. A loucura fez dele, um símbolo da terra. João, mais novo, sempre com os pés no chão, a loja das fazendas faz dele o Sr. João dos tecidos, conhecido e respeitado pela sociedade, passa o tempo a explicar as modas de Lisboa, as senhoras que vão a loja para comprar moldes ou simplesmente um dedal, a passagem pela loja é um ritual. Ar pesado, sempre bem vestido de fato e gravata, com os sapatos a brilhar, movimenta-se na loja como uma dança bem aprendida. Conhecido também, como o marido da D. Lurdes, senhora que passou o tempo ligada ao catecismo, onde um pé assenta no sítio certo, se não vai-se partir. Procurada pelos nobres, com o intuito de ensinar o que sabe aos mais novos, vista como uma referência para a lição do futuro, A sua graça, fazia parar a avenida, onde todos se inclinavam para a cumprimentar e perguntar pela família, um grande respeito. António o mais novo de todos, nada se sabia dele. Saiu da terra quando tinha quase dez anos para servir no Porto. Desde a partida, naquele dia chuvoso e frio de Outono, os contactos foram poucos ou nenhuns, só se sabe que partiu há mais vinte anos, para uma família rica e poderosa sem filhos, que supostamente, lhe deram formação e uma boa vida, gaiato estio e esperto, os seus olhos respiravam alegria com um brilho de fazer inveja, quem o conheceu, não se cansa de elogiar a sua simpatia, amigo do amigo, sem interesses, simplesmente uma criança esperta com um futuro promissor, assim se dizia. Graciete, criou uma sobrinha Maria, filha do irmão mais velho, foi abandonada pela mãe, quando esta soube da morte do marido. Maria, bela Maria, morena de olhos escuros, cabelo preto pela cintura, com curvas bem definidas, qualquer roupa lhe assentava como uma luva, olhar doce e atrevido, cobiçada pelos rapazes da sociedade, nunca casou, ficou a espera dum amor que ninguém sabe onde foi, mantêm-se hoje igual linda e cobiçada…

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